terça-feira, 29 de abril de 2014

Rede Brasileira de teatro de Rua - Carta de Londrina/PR


CARTA DE LONDRINA/PARANÁ

“Sem saber de nada
Vive aquém nesse Brasil
Meu país rasgado
Coronéis e desvarios
Por que não distribui riqueza
O povo nunca viu
A rua é do povo
Ninguém comprou
Ninguém pariu (...)”
(Everton Bonfim – Movimento dos Artistas de Rua de Londrina/MARL)

A Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), criada em março de 2007 em Salvador/BA, é um espaço físico e virtual de organização horizontal, sem hierarquia, democrático e inclusivo. Todos os grupos de teatro,  trabalhadores(as) da arte, pesquisadores(as) e pensadores(as) envolvidos com o fazer artístico de rua, pertencentes à RBTR, são seus articuladores(as) para, assim, ampliar e capilarizar,  cada vez mais, reflexões e pensamentos, com encontros, movimentos e ações em suas localidades.
O intercâmbio da RBTR ocorre de forma presencial e virtual, entretanto, toda e qualquer deliberação é definida por consenso nos encontros presenciais. Os seus articuladores realizam dois encontros anuais em diferentes regiões brasileiras, contemplando as várias regiões do país. Articuladores e coletivos regionais de todos os estados deverão  organizar-se para garantir a sua participação nos encontros,  e dar continuidade às ações iniciadas nos Grupos de Trabalho (GTs), a saber: 1) Política e Ações estratégicas; 2) Pesquisa;  3) Colaboração artística; 4) Comunicação.
A RBTR, reunida de 21 a 27 de março de 2014, na cidade de Londrina/PR, no XIV Encontro conjuntamente com o MARL (Movimento dos Artistas de Rua de Londrina), reafirma sua missão de:

·       Lutar por um mundo socialmente justo e igualitário que respeite as diversidades;
· Contribuir para o desenvolvimento das artes públicas, possibilitando trocas de experiências artísticas e políticas entre os articuladores da RBTR;
·   Lutar por políticas públicas para as artes públicas com investimento direto do estado, por meio de fundos públicos de cultura, estabelecidos em leis e com dotação orçamentária própria através de chamamentos públicos, prêmios e processos transparentes com comissões paritárias eleitas pela sociedade civil, garantindo assim o direito à produção e o acesso aos bens culturais para todos os brasileiros;
·         Lutar pelo livre uso e acesso aos espaços públicos, garantindo a prática artística e respeitando as especificidades dos diversos segmentos das artes públicas, de acordo com o Artigo 5º da constituição brasileira que no nono inciso diz “é livre a expressão da atividade intelectual artística, científica e de comunicação independentemente de censura ou licença”.

Os articuladores(as) da RBTR, juntamente com o MARL, com o objetivo de exigir políticas para as artes públicas, defendem, a nível local:
·         A imediata aprovação da Lei do Artista de Rua de Londrina;
·     O mapeamento e a cessão de espaços públicos ociosos para os fazedores de cultura da cidade de Londrina;
·      A desburocratização do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), da cidade de Londrina, por meio da modificação do repasse dos recursos, de convênios para prêmios, sem necessidade de retenção de impostos quando a título de patrocínio ou incentivos culturais, conforme art. 23 da lei nº 8.313/91;
·       A efetiva descentralização das ações e dos equipamentos públicos de cultura na cidade de Londrina;
·   A criação da disciplina Teatro de Rua dentro da graduação em Artes Cênicas, na Universidade Estadual de Londrina (UEL), bem como a criação do curso Licenciatura em Artes Cênicas, na mesma instituição;
·         A imediata criação do Fundo Estadual de Cultura no Paraná;

E também a nível nacional:
·         A criação de leis de fomento para o teatro de rua que assegurem produção, circulação, formação, trabalho continuado de artistas de rua (organizados ou não em coletivos), registro e memória, manutenção de grupos e espaços, pesquisa, intercâmbio,  vivência, mostras e encontros de teatro, levando-se em consideração as especificidades de cada região;
·     Aprovação imediata da lei federal 1096/11 que regulamenta as manifestações culturais de rua em tramitação no Congresso Nacional, bem como a extinção de todas e quaisquer repressões, cobranças de taxas e excessivas burocracias para as apresentações dos trabalhadores da arte de rua pelo país;
·     A criação de um projeto de lei para a ocupação de prédios, terrenos e outros  imóveis públicos ociosos, transformando-os em sedes de grupos artísticos ou espaços culturais e comunitários que atendam a função social da arte como direito público, bem como a permanência e legitimidade dos espaços já existentes;
·         A publicação dos editais no âmbito federal no primeiro trimestre de cada ano, com maior aporte de verbas e que estas sejam liberadas sem atrasos, respeitando-se os prazos estipulados pelo edital, bem como a divulgação de um parecer técnico de todos os projetos avaliados pela comissão, juntamente com a  lista de contemplados e suplentes;
·     Que os editais do governo federal sejam estruturados de forma que cada região seja contemplada com um edital específico, respeitando suas particularidades, inclusive observando a necessidade de composição de comissões paritárias, indicadas pela RBTR e pelos movimentos artísticos organizados;
·  Que sejam respeitadas a representatividade, as indicações e deliberações do teatro de rua nos colegiados setoriais e conselhos das instâncias municipais, estaduais, distrital e federal;
·         A aprovação e regulamentação imediata da PEC 150/03, atual PEC 147, que vincula para a cultura o mínimo de 2% do orçamento da União, 1,5% do orçamento dos Estados e Distrito Federal e 1% dos orçamentos dos municípios;
·    A aprovação e regulamentação imediata da PEC 236/08, que determina a cultura como direito social;
·     A criação de uma legislação de contratação específica para a cultura, uma vez que a lei 8.666/93, que trata das licitações e contratações no âmbito governamental, não contempla as singularidades da área cultural, como cooperativas, associações ou instituições sem fins lucrativos;
·   A extinção da Lei Rouanet e de quaisquer mecanismos de financiamentos que utilizem a renúncia fiscal, rejeitando, portanto, a sua reforma, o Procultura, por compreendermos que a utilização da verba pública deve ocorrer por meio do financiamento direto do Estado, através de programas em forma de prêmios e leis elaboradas pelos segmentos organizados da sociedade;
·      A inclusão nos currículos das instituições públicas de ensino de teatro a nível técnico e superior de disciplinas voltadas especificamente para a cultura popular brasileira, o teatro de rua e o teatro da América Latina;
·    O financiamento de publicações e estudos específicos sobre o teatro de rua e a cultura popular, como meio de registro, valorização  e respeito às suas formas e saberes, assim como sua ampla distribuição;

Os articuladores(as) da RBTR repudiam:

·       O corte de 30% da verba de todas as secretarias municipais na cidade de Londrina, como cultura, saúde e educação;
·       O Mega Evento Copa do Mundo de 2014 e a Lei Geral da Copa, que fere os princípios constitucionais do país, bem como o lançamento do Programa Cultura 2014, que prevê a seleção nacional de propostas para a realização de atividades culturais nas 12 cidades sedes dos jogos de 2014;
·     A ação violenta das igrejas e seus missionários, que historicamente massacram, exterminam e destroem práticas, costumes e tradições culturais dentro dos territórios indígenas e quilombolas, inclusive nas suas manifestações urbanas;
·         O fundamentalismo religioso que estimula ações de intolerância contra a comunidade LGBT e culturas de matriz africana;
·         A cobrança de quaisquer taxas, alvarás, licenças e toda forma de burocratização para o uso dos espaços públicos abertos, como praças, ruas, entre outros;
·          O decreto de regulamentação da lei do artista de rua da cidade de São Paulo de nº 54948/14, que distorce por completo a lei 15.776/13.

A RBTR, juntamente com o MARL (Movimento dos Artistas de Rua de Londrina), exige o fortalecimento das culturas indígenas Kaingang, Guarani-Kaiowá e Xetá, bem como o reconhecimento dos mestres das culturas tradicionais e os fazedores das culturas populares urbanas, por meio de investimentos públicos.
O teatro de rua é símbolo de resistência artística, agente cultural, comunicador, gerador de sentido, propósito de novas razões do uso dos espaços públicos abertos; assim, reafirmamos o dia 27 de março, Dia Mundial do Teatro, Dia Nacional do Circo e Dia Nacional do Grafite, como o Dia de Mobilização e de Luta por Políticas Públicas para as Artes Públicas, e conclamamos os trabalhadores(as) das artes de rua e a população brasileira em geral a lutarem pelo direito à cultura e pelo digno exercício de seu ofício.
Foi reafirmado pelo conjunto de articuladores(as) presentes em Londrina que os próximos encontros da RBTR serão sediados nas cidades Rio de Janeiro (Hotel da Loucura, Bairro Engenho de Dentro – entre os dias 1 e 7 de setembro de 2014) e Sorocaba/SP (maio de 2015).

"(...) sai agora
rasga o verbo
põe pra fora
desembucha
abre espaço
vem pra roda
conquistando
o respeito 
se essa rua fosse nossa (...)"

(Everton Bonfim – Movimento dos Artistas de Rua de Londrina/MARL)


  

Londrina/Paraná, 27 de março de 2014